quinta-feira, 25 de março de 2010

Conto/01

Li que "O conto caracteriza-se por ser uma narrativa curta, um texto em prosa que dá o seu recado em reduzido número de páginas ou linhas". (Fonte: O que é conto>). Bom, eu tentei. Venho tentado, aliás. Também não é costume meu escrever contos.

A dona do cabaré

Quando eu era criança, tinha medo das sombras que apareciam através das cortinas brancas nas paredes do quarto. Minha mãe dizia que não era pra eu me importar, que a festa precisava acontecer todas as noites e criança tinha que dormir de qualquer jeito, não era pra espiar. Mas eu espiava. As mulheres se esfregavam nos homens, se esfregavam umas nas outras, todo mundo bebia e dançava. Eu nem sabia o que era aquilo tudo, mas não gostava, achava tudo feio, nojento.
E aí, eu cresci. Minha mãe nunca deixou de ser dona de cabaré e eu nunca deixei de ter nojo das festas dentro de casa. E tive mais nojo, quando completei 15 anos e, por puro azar ou sei lá o que, vi minha mãe com um cliente. Ela era dona, mas trabalhava como as outras. Chorei por três dias. Eu sabia o que ela fazia, mas os meus olhos não.
Minha mãe planejava um futuro pra mim, eu era uma moça estudiosa. Mas é incrível como os planos que os pais fazem nunca combinam com o que os filhos querem ou acabam fazendo. Minha mãe iludida que eu seria diferente dela, e aí eu me apaixonei.
O nome dele era Alfredo. Ele foi minha primeira paixão e foi o primeiro e último rapaz com quem eu me deitei por amor.
Eu saía escondida pra encontrar com o Alfredo. A minha mãe não queria que eu namorasse nem com ele nem com ninguém. “Homem só atrapalha a vida; desse jeito, você não estuda”. Mas eu não me importava. Até que numa noite, ele me disse:
- Sabe, Fatinha, eu até penso em me casar com você, mas só se você sair daqui antes. Se não, as pessoas vão sempre me apontar. Vão falar que eu casei com a filha da cafetina. Você tem que sair daqui. Ou então, vai acabar como a sua mãe.
E eu me ofendi, gritei “Quem é você pra falar da minha mãe? Você não paga as contas nem sustenta a casa!”. E falei que tinha nojo de tudo aquilo, mas não tinha culpa; não ia abandonar minha mãe. E aí, ele parou de ouvir, ficou só olhando, mas já tinha ido embora a mente dele toda e tudo aquilo que ele dizia que era amor. E eu fiquei com tanto ódio que nem consegui chorar quando ele disse “Chega! Eu não volto mais aqui”.
Realmente, ele nunca mais voltou. Depois, ele saiu da cidade e eu nem soube mais o que aconteceu com ele nem nada. Só sei que ele acertou a previsão. Como eu entrei nisso, nem gosto de me lembrar. Lembro apenas que minha mãe foi contra; depois se acostumou. A gente se acostuma a qualquer coisa.
Garota de programa, pecadora, mulher de vida fácil, profissional do sexo, piranha, perdida, prostituta, puta... Eu já ouvi de tudo. Eles podem me chamar do que quiserem, mas depois vão vir aqui e vão querer se deitar comigo. Eu sei disso. E eu vou esperar as visitas e vou cobrar o dobro, só pra que eles saibam quem é a nova dona do cabaré.

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