sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Remédio nenhum dá jeito

Ela diz: Entraram na minha casa, fizeram uma cópia da chave. Eu pergunto: Quem fez? Ela responde: Não sei. Foi quando eu esqueci a chave pendurada na porta. Alguém pegou, copiou e depois deixou a chave pendurada no mesmo lugar. Ela diz: Entram aqui sempre que eu saio. Eu pergunto: Quem entra? Ela responde: Quem fez a cópia da chave. Ela diz: Levaram umas coisas. Eu pergunto: O que levaram? Ela responde: Muitas coisas - Mas não sabe precisar o que - Mexeram nas minhas receitas, mexeram nas suas fotos, mexeram no guarda roupa. Vou colocar uma fechadura no guarda roupa. Ela diz: Chego em casa e encontro as coisas fora do lugar. Eu pergunto: Por que não troca a fechadura? Ela responde: Eu já troquei a fechadura, mas continuam entrando. Fizeram outra cópia colocando sabão na porta. Ela diz: Meu contracheque veio errado. Me roubaram. Eu pergunto: E o que o banco falou? Ela responde: Que é isso mesmo. Mas eu vou contratar um advogado pra ver isso. Alguém me roubou. Ela diz: Querem que eu vá morar num asilo. Querem me levar pra lá. Eu pergunto: Quem quer? Ela responde: As pessoas que trabalham no banco. Elas falaram que eu devia ir morar num asilo. Então, eu não escuto mais nada, eu não pergunto mais nada, eu sou só um ouvido colado ao telefone. Eu escuto as mesmas coisas há mais de vinte anos. Eu não tenho mais paciência para a esquizofrenia - ou seja lá o que for isso que remédio nenhum dá jeito.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Poesia/134

Ausência

Tive uma filha.
Batizei-a de Ausência.
Ausência era feia, porém, bem tratada.
Onde eu estava, Ausência estava.
Era eu presente para Ausência
e Ausência sempre presente ao meu lado.

Com o tempo, Ausência cresceu.
Ausência era muda, fria, má e solitária.
Ausência me tornou amargurada, mas estava sempre lá,
me observando e fazendo exigências,
mesmo com a ausência das palavras.

Ausência tornou-me insone.
Eu vivia pela casa, com o coração aflito.
Se Ausência se acidentasse, eu não ouviria gritos.

Na casa, havia uma escada.
Ausência, estabanada, rolou um dia por ela.
Ausência morreu em mim, ainda jovem e donzela.

Agora, Ausência ausente,
eu me faço presente
para minha recém-nascida: Vida.

* N.A: Uma tentativa de fazer um conto em versos, eu acho :) Na dúvida, ao invés de publicá-lo como "conto", publico como "poesia" mesmo. ;)

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Poesia/133

Ponto final

Eu resolvi pousar
aqui e acolá...
Pousar nas asas de um morcego,
procurando por sossego;
Pousar em terras verdejantes,
esperando um bom amante.
Pouso ali e me crivo,
tentando encontrar alívio.
Mas a estrada me chama,
clama por minha presença.
Acumulo sapiência
e raízes não existem.
Busco até as horas tristes,
também um pouco de paz.
Busco um lugar de repouso
e, quando pouso, quero mais.
Talvez eu me entregue à sorte
ou volte ao ponto de partida.
Talvez eu plante dálias
para colher margaridas.
É certo que um dia eu pare
e repare no cansaço.
Então, traço os próximos passos,
misturo calma e embaraço,
pouso bem num roseiral.
Vivo mais um desenlace
e pinto um ponto final.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Microconto/63

*Fan action

- Vocês foram ótimos! Eu... eu... amei! Ameeeeei! Aliás, eu amo vocês! Sou a fã número 01, podem acreditar...
- Poxa, obrigado... - respondeu o líder da banda, tentando ser simpático com a fã que ganhara o concurso para adentrar no camarim após o show.
- Posso tirar um foto com vocês?
- Claro - disse um.
- Com certeza - respondeu outro.
Depois da foto, ela também pediu:
- Gostaria que me dessem seus autógrafos...
Todos concordaram sorrindo e um deles indagou:
- Onde assinamos?
Duas horas depois, ela ainda estava extasiada. Já em casa, de calcinha e sutiã, se admirava no espelho e fotografava todas aquelas assinaturas espalhadas pelo corpo.

*Qualquer semelhança com a palavra Fanática é mera coincidência.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Poesia/132



Tudo que eu queria
era ver o mundo.
Tudo que eu queria
era jogar fora o guarda chuva
e o sobretudo.


Fonte da imagem: Sempre ele - Google!. A cena, para quem não conhece, é do maravilhoso "Cantando na chuva".