quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Conto/14

Júlia queria porque queria ser escritora. Porque era seu grande sonho, porque não se imaginava fazendo outra coisa, porque era o que queria da vida. Mas faltava-lhe um detalhe crucial: intimidade com as palavras.
Tentou de tudo para que estas lhe viessem e se tornassem suas amigas. Primeiro, seguiu os conselhos de quem já escrevia e passou a ler bastante, para aumentar o vocabulário e criar suas próprias ideias. Depois, passou a dedicar uma parte de seu tempo ao exercício da escrita.
Mas não adiantava: por mais que Júlia chamasse, as palavras não respondiam aos seus apelos. E quando vinham, tudo que ela escrevia não lhe parecia bom o suficiente. Ela queria sempre mais e mais palavras. E, embora seus amigos tentassem incentivá-la, a verdade é que eles mesmos não a achavam exatamente uma pessoa com o dom da escrita.
Então, Júlia apelou. Valia tudo para que as palavras se aproximassem. Inclusive, rituais estranhos e obscuros, que lhe custavam caro. Os amigos achavam que ela tinha enlouquecido, tamanha era sua obsessão. Sabiam que aquilo ainda acabaria mal. Tentaram, então, dissuadi-la da fixação que era escrever. Porém, era tarde demais.
De todos os preços, o maior foi pago quando, depois de todos os seus esforços, as palavras se cansaram dela e decidiram lhe aparecer todas de uma vez só.
Primeiro, ela não conseguiu controlar a mão, que escreveu freneticamente por uma noite inteira. Depois, quando a mão já não respondia a nenhum estímulo, as palavras lhe invadiram a garganta e ela falou por horas, sozinha, até perder o fôlego. Por último, ela já não conseguiu mais respirar. E assim, perto da inconsciência provocada pela falta de ar, foi que Júlia percebeu que as palavras não costumam vir para quem as quer, mas para quem elas escolhem. Por não ter se conformado, Júlia recebeu a fúria das palavras e ali, em seu pequeno apartamento, foi sufocada por elas, junto a uma pilha de rascunhos.

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