terça-feira, 27 de abril de 2010

Crônica/06



Quando ele viaja

Uma hora qualquer, a gente sabe que ele vai viajar. Ele sempre viaja, ontem mesmo eu o vi debandar novamente. E assim, meu casamento segue um ritmo peculiar: ele fica três meses em casa, dois fora, um em casa, vinte dias fora. Eu fico no Rio e, quando dá, vou encontrá-lo, seja lá onde ele estiver.
Essas viagens fazem um bem danado. Não só pela questão de sair de casa, ver outras paisagens, mas também para o casamento em si. Eu nunca almejei um casamento com o tédio de ver tv, com a poeira da rotina, com a gente ouvindo os passos do dia a dia. Na verdade, quando a gente decidiu morar junto, ele já sabia de certa forma o script que estava por vir - ele já foi casado; eu, não – só imaginava. Portanto, pensei, estava na hora de saber como era, afinal, conviver debaixo do mesmo teto e com todas as questões que isso envolve.
No começo, tudo era novidade. Hoje, eu já sei o que amo e odeio nesse “roteiro” todo e sei também o que amo e odeio – ao mesmo tempo. Eu amo e odeio, por exemplo, quando ele viaja.
Quando ele viaja é sempre uma coisa estranha: eu me sinto, ao mesmo tempo, contente e triste. Fico contente porque preciso de solidão, preciso de silêncio, da tv desligada, da cama só para mim – coisa gostosa é poder me espreguiçar, ocupar o espaço todo, ainda que eu tenha só 1,52m!; e me sinto triste porque preciso de companhia, preciso de barulho, da tv ligada no noticiário matinal, dele tentando tomar meu espaço na cama.
Quando ele viaja, eu comemoro – algo como a performance cinematográfica de Tom Cruise em “Negócio Arriscado”. Para quem nunca viu o filme: o personagem de Cruise fica sozinho em casa (os pais viajam) e a primeira coisa que faz é dançar rock ‘n roll de cueca na sala de estar. Diga-se de passagem, amo a música que eles colocaram nessa cena.
Mas voltando ao assunto: quando ele viaja, fico quanto tempo agüentar no computador, sem que ele diga que quer atenção; escrevo meus textos sem que ele me interrompa o raciocínio, posso deixar a louça acumulada sem ouvir reclamações; deixo meus papéis espalhados pela cama e pelo chão e leio sossegada.
Mas essa é a parte boa. Quando ele viaja, eu também sinto falta dos almoços (ele sempre cozinha, eu prefiro lavar a louça); sinto falta da companhia, dos beijos, do carinho, dos abraços apertados, do café forte, dele dançando e cantando e querendo cafuné, e, claro, sinto falta de... outras coisas mais, haha.
Hoje, ele viajou e eu estou há horas imersa em quietude – nem tv nem música – só o barulho do ventilador e das teclas do Velho Guerreiro, meu pc. Estou escrevendo há horas e não faço idéia de quando vou parar. E agora a pouco, de repente, o pensamento fugiu do texto e eu me indaguei: será que ele conseguiu dormir no ônibus?
Toda vez que ele parte, eu sinto uma espécie de vazio e, paralelamente, me sinto cheia de alegria. Não só por conta de tudo que já mencionei, mas também porque imagino como será quando ele voltar. Ah, o dia do retorno... É sempre uma das partes mais bacanas de quando ele viaja.

Fonte da imagem: Cinie's World.

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