Chuva
A chuva me fascina desde que me entendo por gente. Não dava outra: quando começava a chover mais forte, eu pedia para sair de casa e me enfiava debaixo de todas as bicas que encontrava, pulava e corria até não poder mais.
Quando minha mãe implicava e não me deixava sair de jeito nenhum, até que não era tão ruim ficar em casa. Mas também só sossegava quando visse a chuva e pudesse senti-la, um pouquinho que fosse. Então, eu ia para a cozinha, para a antesala ou para perto das janelas que ficavam entreabertas.
Sem dúvida, o melhor lugar para se apreciar o espetáculo era a cozinha. Eu sentava no chão frio e me dividia entre dois mundos: dentro e fora, seco e molhado, cotidiano e casual. Era gostosa demais essa mistura! Podia ouvir os barulhos comuns da cozinha e ver a chuva transformar a terra do quintal em lama.
A fascinação não diminuiu com o tempo. Numa noite dessas, fui com um amigo até o ponto de ônibus. Ele comentou que ameaçava chover; eu retruquei que nem me importaria se isso acontecesse, pois queria mesmo tomar um banho de chuva.
E foi o que aconteceu. Assim que ele foi embora, passou um vento forte. Quando atravessei a rua, as primeiras gotas me alcançaram.
No caminho, esqueci a pressa que Deus me deu e aproveitei o quanto pude. Porém, de uma forma diferente de quando eu era criança. Olhei para o céu e ri. Coloquei a língua para fora. Ri de novo e caminhei de olhos fechados. Depois, senti vontade de chorar; não de tristeza, e sim de alegria, como já não chorava há tempos.
Lágrimas e chuva se fundiram. Eu me senti encantada tanto quanto me sentia na infância, mas agora tinha idéia de como chamar isso. Foi esplêndido estar, ao mesmo tempo, embaixo, acima e ao lado da chuva. Aquela água toda pareceu me penetrar e lavar minha alma.
Cheguei em casa com as roupas ensopadas. Logo, troquei-as pelo pijama. Mais tarde, sem conseguir dormir, fui até os fundos da casa. Ainda chovia. Não resisti e coloquei as mãos do lado de fora. Senti a alegria me invadir de novo. Talvez a chuva me pareça assim tão maravilhosa porque me dá uma sensação de harmonia, de calma. É, é isso mesmo: calma.
Minhas mãos debaixo d’água foi o modo que encontrei de me despedir dessa chuva. Adormeci com o barulho dela me ninando nessa noite dominical. Dormi leve, pensando que no dia seguinte, tudo seria melhor.
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