domingo, 4 de abril de 2010

Conto/04

A mulher mais feliz do mundo

Eu nasci no corpo errado. Passo a maquiagem do meu estojo especial. Essa é a “maquiagem da fé” – costuma funcionar quando eu quero que me achem bonita: eu tenho fé e aí aparece alguém. Mas esse batom aqui não dá, é horrível! Por que eu comprei isso? É melhor um gloss, é mais discreto.
Parece que meus seios estão fora do lugar. Eu pareço fora do lugar!
Não entendo como ele pôde me chamar para sair. Ele é bonito, inteligente, tem um trabalho interessante...
É, eu pareço sem auto estima. Mas isso é culpa da vida. A vida me deixou insegura. Eu pareço uma tonta...
Vou passar um perfume suave. Será que ele vai gostar? E essa calça, não sei não. Me faz parecer sem formas. Próxima roupa.
O que é que ele quer comigo afinal? Uma noite? Uma hora? Será que ele pensa que só porque eu aceitei sair com ele eu sou fácil? Mas ele sabe que eu trabalho no salão, me conheceu lá mesmo. Ele sabe que eu sou uma pessoa honesta – pelo menos eu tento ser. Ele sabe que eu me sustento cortando e pintando cabelos e sabe também que eu não tenho família. Todos me viraram as costas.
Ele sabe quem eu sou, certo? Melhor: o que eu sou. Ele tem consciência, claro que tem. Um homem não pode se enganar assim!
Ai, essa saia é horrível. Não tenho nada para vestir. E essas blusas estampadas, que breguice. Já sei, vou com uma saia longa.
E ele... Ah, que olhos, que pernas, que boca. O sorriso é de um deus. Ele veio só para um corte, depois voltou, outro corte. E começou a vir sempre e puxou conversa comigo. Por que eu fui conversar com ele? É, foi por puro profissionalismo. A gerente diz que para conquistar o cliente tem que ser simpática – "se ele quiser conversar, converse; se não quiser, fique quieta".
Mas ele quis mais do que uma conversa. Quis saber a que horas eu estaria livre, se sairia com ele para um drink e um jantar. Que homem chique: não me chamou para uma cerveja num boteco qualquer. Me chamou para tomar um drink e jantar com ele.
Não, não vou me iludir. Vai ver ele me chamou só para fazer amizade. É isso, ele quer ser meu amigo. É óbvio. É óbvio?
Nossa, como eu estou atrasada! Tomara que ele não fique impaciente e vá embora. Tanto tempo que eu gastei caprichando no visu.

- Oi.
- Oi. Nossa! Você está linda.

Eu não posso com um elogio, ainda mais de um homem desses. Vou morrer! Mas vou morrer feliz.

- Desculpa o atraso. Saí tarde do salão.
- Tudo bem. Vamos pedir um drink?

Eu estou com uma pergunta engasgada. Preciso saber para não cometer erros. Preciso saber o que ele quer comigo.

- Antes de pedir... Eu quero perguntar uma coisa.
- Pode perguntar.
- Você me chamou para sair... Você sabe, não sabe?
- Sei o que?
- Sabe que eu não sou como as outras. Tem gente que se engana, mas eu quero saber se você sabe.
- Sei, por isso chamei você.
- Mas você sabe o que eu sou?

Ele pegou na minha mão. Ai, eu vou ter um troço.

- Eu sei que você é uma moça maravilhosa no corpo de um rapaz. Mas eu não me importo. Quero você assim.

Todas as minhas preocupações se foram. Ele me quer! Eu nem sei direito o que responder. Dou um sorriso e digo:

- Agora, eu sou a mulher mais feliz do mundo.

Um comentário:

Tiago Lima disse...

Quando vc escrever um livro eu quero uma cópia! Otimos textos! Escreve bem de mais! ;)