Crônica de uma amizade anunciada.
(Para Rogério).
“Je cherche en gémissant”¹. As palavras ecoam por segundos, minutos ou horas, enquanto eu folheio o restante das páginas e me certifico de que sim, o livro está velho, bem velho. Por um momento, eu sinto vergonha por ele estar assim. Quer dizer, não é minha culpa, mas por que afinal eu não comprei um livro novo? Resposta simples: por falta de dinheiro. Resposta confusa: não me lembro, não tenho certeza, não sei. Resposta complexa, baseada na crença em destino: porque eu estava na rua certa, na hora certa, com o dinheiro exato e querendo presentear alguém com uma coisa legal. Qual é a resposta correta? Todas ou nenhuma ou N.D.A², quem sabe. De qualquer forma: folheio o livro todo, colo uma parte da capa e concluo que ele não está velho demais para deixar de ser um presente. O importante são as palavras contidas nele e, claro, a intenção do regalo.
O livro é “O encontro marcado”, de Fernando Sabino. A frase em francês é uma referência a Blaise Pascal e é dita pelo personagem Hugo, numa conversa entre amigos.
Essa cópia foi comprada para Rogério, um amigo virtual. É meu livro favorito, eu gostaria que ele o lesse também – quem sabe surja daí a possibilidade de “puxar uma angústia”³ conversando sobre os personagens. Há tempos esse exemplar comprado na rua está guardado, esperando por um encontro com o dono ou pela minha iniciativa de enviá-lo a ele. No Rio, é comum encontrar pessoas vendendo livros (e outras coisas) nas ruas. Elas fogem ou se escondem quando a fiscalização passa, pois é proibido vender mercadorias a céu aberto, sem nota fiscal, etc etc etc, blablabla.
Da minha parte, encontrar essas pessoas é mais bacana do que qualquer shopping center. Você pode achar do (in)útil ao inusitado. E claro, pode encontrar bons livros a preços bem camaradas.
Então, foi num dia qualquer, eu estava andando por uma rua qualquer e vi o livro e ele também me viu. Ele disse: “Psiu, estou aqui!”. “Eu já o tenho”, pensei, “mas ele vai se tornar um presente”.
É costume meu dar livros de presente, é um atrevimento da minha parte. Dar um livro é uma coisa tão pessoal! Você pode pensar que está acertando ao dar determinado livro, mas não está. E isso acontece até mesmo quando você conhece bem a pessoa. Mesmo sabendo que o presenteado pode não ler ou gostar do que recebeu, eu continuo me atrevendo e acho que vai ser assim por toda a vida.
Rogério virá morar no Rio em alguns dias. Nós marcamos uma cerveja (convenhamos: algumas!) e eu prometi a ele uma festa com confetes, mulatas e um samba escrito por mim e interpretado pela bateria da escola de samba que ele escolher. Será que foi exagero? Após 02 anos e meio, ele deixará de ser virtual. Eu estou levemente nervosa ou nervosamente leve ou os dois. Finalmente será a hora de presenteá-lo.
“Je cherche en gémissant” começou a ecoar e eu comecei a embrulhar “O encontro marcado” junto a outro livro (“O tio que flutuava”, de Moacyr Scliar), para que o todo parecesse um presente mais decente. De repente, a frase sumiu. De repente, eu soube que, no fundo, Rogério já deixou de ser virtual, embora eu nunca tenha apertado sua mão ou lhe dado um abraço. E de repente, outras palavras começaram a ecoar e eu comecei a escrever esta crônica de uma amizade anunciada, mas já existente – para os dois lados, é o que acredito.
¹ Je cherche en gémissant = Eu procuro em gemido.
² N.D.A = Nenhuma das anteriores.
³ “Puxar uma angústia” é umas das grandes expressões de “O encontro marcado”. Seria algo como começar uma conversa acerca de angústia, de um motivo para preocupação, de uma tristeza qualquer. Se você ler, vai saber do que estou falando.
Chronicle of an announced friendship.
“Je cherche en gémissant”¹. These words are making echoes inside my head for seconds, minutes or hours, while I pass through by others pages and make sure that yes, the book is old, too old. For one moment, I feel shamed because it’s this way. I mean, it’s not my fault, but why didn’t I buy a new book? Simple answer: no money enough. Confused answer: I don’t remember, I’m not sure, I don’t know. Complex answer, based on believe in destiny: because I was on the right street, at the right time, with right money and I wanted to give a cool gift for somebody. Which is the right answer? All of them or none of them or N.O.P², who knows. Anyway: I pass my view through all book, fix a part and I conclude it’s not too old to become a present. What is important: words inside it and of course, my purpose.
The book is “O encontro marcado” (I don't know the english name!!), from Fernando Sabino. This french phrase is a reference to Blaise Pascal and is pronounced by Hugo, between friends.
This copy was bought for a Rogério, a virtual friend. It’s my favorite book, I’d like he could read it too – and after this, maybe there was a possibility to “puxar uma angústia”³, start a conversation about personages. This book, bought on the street, is with me long long time, waiting for a meeting with its owner or my initiative of sending it. In Rio, is very common find people selling books (and other things) on the streets. They hide or run when police comes because nobody can sell thins on streets with no fiscal notes, etc etc etc, blablabla.
Personally, I think it’s more interesting and coolest buy things with these people than go to any shopping center. You can find from useful (less) to unwonted. And sure, you can find great books for good prices.
So, it was any day, I was walking through any street and I saw that book and it saw me. It said: “Hey, I’m here!” “I have this book already”, I thought, “but it can become a present”.
I use to give books as gift, it’s a boldness. To give a book is something so personal! You think you’re making the right choice if you give that book, but you’re not. And it happens even when you know well a person. Well, I know people maybe don’t like or read what they received, but I keep my boldness and it’s gonna be like this for all my whole life.
Rogério will live in Rio in a few days. We’ll meet for take a beer (truly: some beers) and I promised him a party with confetti, mulatas and a samba wrote by myself and played by school samba he decides to choose. Is too much? After 02 years and a half, he will not be virtual anymore. Finally it will be time to give his present.
“Je cherche en gémissant” started to make echoes and I started to pack up “O encontro marcado” with another book ("O tio que flutuava", from Moacyr Scliar). I tried to make everything looks a decent gift. Suddenly, phrase disappeared. Suddenly, I knew Rogério was not virtual anymore, even I never shaked his hand or hugged him. And suddenly, others words started to make echoes inside my head and I began to write this chronicle of an announced friendship, friendship which already exists – for both sides, that’s what I believe in.
¹Je cherche en gémissant = I look for it moaning (right? haha).
²N.O.P = In Portuguese, it would be N.D.A – nenhuma das anteriores. In English, I put N.O.P. For me, it’s a good abbreviation for None of previous.
³“Puxar uma angústia” maybe is the biggest saying of the book. It would be something like start a conversation about anguish, about subjective things that worry you sadness or about sadness. If you read “O encontro marcado”, you’ll know what I’m talking about.
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