quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Poesia/93

Eu olhei naqueles olhos miúdos
Que me encaravam insistentes, amiúde
Eu me fundi com aquele corpo moreno
Que me recebeu todo sereno
Eu me assustei quando meu coração bateu mais forte
Para em seguida pensar no quanto eu tive sorte
De encontrar alguém com quem adoro ficar a sós
Parei de ser só eu, para ser também nós.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Microconto/25

Estavam pai e filho na sala. O pai lia o jornal, enquanto o filho falava sem parar:
- Pai, quando eu crescer, quero ser piloto de avião!
- Não, não... Quero ser dentista!
- Ou astronauta...
O pai ouvia, calado, sem desgrudar do jornal. De repente, cansado de não ser ouvido, o filho disse:
- Pai, não sei direito o que quero ser... Mas sei que não quero ser como você.
O pai largou subitamente o periódico e seguiu-se um silêncio perturbador. O filho não ousava olhá-lo e mantinha os olhos na tv. De repente, o pai disse:
- Desculpa não te dar atenção, filho... Desculpa mesmo. Sabe de uma coisa? Você, quando crescer, pode ser o que quiser. Mas eu, quando crescer, sei que quero ser igualzinho a você.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Poesia/92

Era Setembro
Eu bem me lembro
Quando ela veio de mansinho
Primeiro, uma flor desabrochou
Depois, cantou um passarinho
E aí, ela se fez notar
Com tudo que podia
Uma profusão de cheiros, cores, brilho e simpatia
E eu disse ao meu amor:
"Veja só quem chegou para fazer uma visita!"
E ele então me sussurrou:
"Não vá sentir ciúme, mas que Prima mais bonita!"

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Microconto/24

Romance
Trancou-se em casa e decidiu: vou escrever um romance.
Passaram-se horas, dias, semanas. Ele fazia tudo mal: dormia, comia, descansava, tomava banho - tudo era mal feito. A única coisa que importava era escrever.
Não se sabe se foi no terceiro ou no décimo dia, mas o certo é que seu pé direito sumiu. Depois, foi a mão esquerda, com braço e tudo. E assim, ele foi sumindo, aos poucos, enquanto o romance crescia.
Quando restava apenas a mão direita a escrever, o romance ficou pronto. E a mão que repousava sobre as últimas páginas também sumiu. Ele todo havia sumido, mas ao mesmo tempo continuava ali. Ele havia se tornado o romance e vice versa.

domingo, 26 de setembro de 2010

Poesia em outra língua/09

Finally the Spring is here!
I feel it through this smell in the air
And because of little wind blowing and playing with trees
I feel the Spring when I hear birds singing in every morning
And I feel it stronger when streets are full of sounds and I don't want to come back home
I just leave my pillow behind
Because the Spring deserves my eyes, my hands, my smile and my soul.

sábado, 25 de setembro de 2010

Microconto/23

Num fim de tarde, Diego estava sentado com a bisavó, numa colina de onde dava para avistar toda a cidade.
A bisavó, pensativa, olhava as nuvens que passavam. De repente, disse:
- Já reparou como a gente é que nem nuvem?
Diego olhou, sem entender, e a bisa lhe explicou:
- Mesmo que queira ficar parada, a nuvem se move, nem que seja só um pouquinho, porque o vento a leva pra lá e pra cá. E às vezes, ela segue para lugares onde talvez nem queira ir. Entretanto, o vento a carrega assim mesmo.
Diego ouvia atento, enquanto a bisavó comparava:
- Já a gente pode querer ficar parado, mas a vida não dá trégua. E ela, como o vento, leva a lugares onde talvez a gente não deseje ir. E um dia... Um dia, a nuvem se desfaz ou chove. A gente se vai, morre. A nuvem passa, a gente também. Mas, olha só, Diego, a nuvem evapora depois que chove e volta a ser nuvem. E a gente morre, mas volta...
Diego não esqueceu nunca aquela tarde.
No dia seguinte, a bisavó partiu e, embora ela estivesse bem velhinha, foi uma surpresa que abalou a todos. Diego se lembra bem que, no meio do velório, contou a todos, cheio de certeza:
- A bisa choveu. Não se chateiem, que logo logo ela evapora pra ser nuvem outra vez.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Microconto/22

Glória, viajante por natureza, se apaixonou pelo vento e foi correspondida.
O vento levava seus medos pelos ares. Juntos, assistiam ao pôr do sol. Ele sempre lhe sussurrava belas palavras e rodopiava folhas e flores ao seu redor.
Mas o vento não podia preencher a cama de Glória e ela, para aplacar o desejo, arranjou um amante.
Na primeira noite em que Glória dormiu com o amante, as janelas estavam fechadas, por precaução.
Mas de nada adiantou. O vento, furioso, abriu as janelas com força, bufou e depois foi embora.
Não houve perdão para essa noite.
Agora, o vento passa pela mulher que ama sem olhá-la e finge que não a escuta. Ela, por sua vez, insiste. E em meio ao desespero das horas sem o vento, coloca homens e mais homens em sua cama. Ela espera que assim ele retorne e a olhe de novo ou sussurre mais alguma coisa, qualquer coisa, nem que seja uma última vez.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Microconto/21

Começou com uma plantinha, um cacto. Depois, mais alguns vasos. Em seguida, veio o gato. Por fim, quando todos achavam que o próximo passo de Bia seria ter um filho, ela decidiu que sim, iria mesmo se dedicar a cuidar de mais um ser vivo: ela própria.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Microconto/20

Durante o dia, era Virgínia. À noite, era Eva.
Virgínia ajudava os pobres, sempre que podia. E se atormentava por conta da vida que Eva levava e pelo fato de que ela não queria saber de caridade.
Então, com enorme força de vontade, Virgínia passou a fazer com que Eva também ajudasse os menos favorecidos. Era sua forma de se sentir menos pecadora. Virgínia ajudava com sopa; Eva matava outro tipo de fome. Ela reservava uma noite por semana para ajudar com carne - sua carne.
Nessas noites, Eva não cobrava e os mendigos recebiam, ansiosos, um pouco de calor humano.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Microconto/19

Pedro estava sentado no metrô, quando a moça de vestido verde entrou no vagão e ele não viu mais ninguém.
Quer dizer, ver ele via, isso é só modo uma forma de dizer que a atenção dele, a partir daquele instante, era toda dela. Mas a moça, com sorvete na mão, parecia não notá-lo ou então fingia muito bem que não o via.
Pedro pensou em como chamar-lhe a atenção, sem muito alarde e sem assustá-la. Cantada ao pé do ouvido? Fora de questão. Um "oi, qual o seu nome?" cairia bem? Nos dias de hoje, era capaz dela ignorar apenas ou inventar logo que tinha namorado. Mas e se tivesse? Ele não queria saber, queria arriscar, isso sim. Um bilhetinho? Mas escrever o que? Nome e telefone apenas? Que coisa mais sem graça, vazia.
Depois de pensar alguns minutos, ele decidiu: um poema. Escrever nunca tinha sido seu forte, mas para uma mulher interessante sempre é possível dizer palavras bonitas. E ele escreveu. Mais abaixo, colocou nome e telefone. Caso contrário, ela não teria como encontrá-lo.
Pedro saltou na estação seguinte. A moça recebeu o bilhete com um olhar desconfiado, achou que era alguma propaganda.
Depois, Pedro esperou, esperou e esperou. Horas, dias, semanas. Levou um tempo, mas enfim o telefone tocou. E depois de rejeitar a oferta de um novo cartão de crédito, Pedro desligou e voltou para a solidão dos dias difíceis.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Poesia/91

Mulher, eu já não sei
Se vou embora
Ou se te espero

Lá fora, a noite é fria
E você é
Tudo que quero

Mulher, eu danço há horas
Com várias damas
Um só bolero

Talvez seja um engano
Mas eu te quero tanto
Por isso me desespero

O tempo não passa
As damas acham graça
Enquanto eu traço meus tortos passos

Mulher, elas sorriem
Por que não sabem
Que eu te espero

Eu, zonzo, embriagado
Só penso em ti
Enquanto danço e canto só um bolero!

(Para Roger, que eu sei que é doido por um bolero!)

domingo, 19 de setembro de 2010

Haicai guilhermino/04

Sopra o vento
Que leva para longe
Meu pensamento.

sábado, 18 de setembro de 2010

Microconto/18



Longe de sua terra natal, num dia sem afazeres, Nina chorava suas saudades. Para alegrá-la, decidiram levá-la para a praia. Mas Nina continuou chorando. Disse: "É tudo tão lindo, mas esse mar não é o mesmo, não é o meu". Replicaram: "Chegue mais perto do mar, toque nele". E Nina, agachada, colocou pés e mãos dentro da água salgada e o mar lhe confidenciou: "Menina, eu também sou seu mar". E Nina finalmente entendeu e sorriu. Entendeu que os nomes eram diferentes, que a distância era grande, mas que as águas se misturavam e que aquele mar à sua frente também era o seu.

Fonte da imagem: Quem tem pés, visita

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Poesia/90

Eu levo agora o sorriso estampado
De quem anda lado a lado
Com a felicidade
Caminho pela cidade
Que é cheia de cores, de formas, de sons
E tem o tom que cai bem para nós dois

Eu tenho hoje o sorriso escancarado
Daqueles bonitos como um céu estrelado
Sem nuvens, fumaça ou poeira
Caminho por aí toda faceira
Contente por estar com meu amor
E sorridente eu sigo porque ele voltou.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Poesia/89



Distrações

Para o gato, um novelo
Para o cachorro, um osso
Para a criança, um fim de semana inteiro
Para o pássaro, um longo vôo

Para o coração, um amor
Para o rei, seu cavalo
Para o branco, qualquer cor
Para o velhinho, uma partida de baralho

Para o stress, uma viagem
Para mim, a Literatura
Para o sério, uma bobagem
Para uma noite de luar, poesia pura.


(Nota: Se a Literatura é uma distração, não significa de forma alguma que ela seja menos importante para mim. Pelo contrário: o que eu mais quero é que ela, mais do que distração, se torne o trabalho de uma vida inteira).

Fonte da imagem: Hot Frog

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Crônica/24

Olhares - parte III

Dia claro, luz intensa que me incomodava. E eu havia esquecido os óculos escuros. Era hora do almoço e eu tinha pressa, como sempre. Meia hora para comer requer que você vá correndo até o restaurante - e volte correndo também.
E no meio do caminho, nos cruzamos, aquele senhor e eu. Restavam a ele apenas uns poucos cabelos grisalhos. Seu andar era calmo, parecia que ele possuía todo o tempo do mundo.
Quando passamos um pelo outro, ele me olhou com seus grandes olhos azuis e eu o encarei com meus grandes olhos castanhos e a primeira coisa que me veio à mente foi: "Conheço esse olhar".
Mas eu tinha pressa e não podia parar de caminhar. Arrisquei ainda um olhar para trás e lá estava ele, parado na calçada e no tempo, me mirando. Acho que ele também sabia, de alguma forma, que nos conhecíamos. Entretanto, eu não voltei para perguntar de onde nem de quando. E fiquei sem saber se foi nessa ou em outra vida que já cruzamos nossos olhares.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Poesia/88

Mudanças

Eu decidi mudar o mundo
Então, um sábio disse para mim
"Se você quer mesmo mudar o mundo
Comece primeiro por ti".

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Poesia/87

Ando sóis

Ando sóis
Como quem nada quer
E o vento sempre me sopra
Aos braços de alguma mulher
Eu ando sóis
Não posso parar
Embora comida farta e um bom catre
Sejam tentações para me fazer ficar
Mas eu ando sóis
Preciso partir
E assim, viver feliz
Com meu eterno ir e vir.

domingo, 12 de setembro de 2010

Poesia em outra língua/08



It doesn't matter
If you don't have wings
I know you can fly
Fly away from here
Or from any other place
So, take my hand
Come with me
Let's jump together
We will fly
You will see.

Tradução:
Não importa
Se você não tiver asas
Eu sei que você pode voar
Voar para longe daqui
Ou de qualquer outro lugar
Então, pegue a minha mão
Venha comigo
Vamos pular juntos
Nós voaremos
Você vai ver.


Fonte da imagem: Laços azuis

sábado, 11 de setembro de 2010

Poesia/86



A dona do jardim
Não me deixa colher suas rosas
Nem mesmo aparar o capim
Me olha torto quando eu passo
Mas eu acho que ela gosta de mim
Gosta e não assume
Não sei o que a faz ser assim

Fecha a janela quando me vê
E só torna a abri-la para me dizer
Que em suas rosas não devo mexer
Mas mal sabe ela
Que em polvorosa
As rosas me pedem para que eu as colha
E que entregue todas para essa moça
Que eu sei que no fundo gosta de mim.

Fonte da imagem: Little sweet secrets

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Microconto/17



Ela desligou a cafeteira, mas não se desligou.
Parecia um sonho: aquele rapaz simples, com a barba por fazer, havia aparecido durante a manhã. Há 6 meses ele sempre ia ao bar, pedia um café e a olhava longamente enquanto bebia. Nada mais que isso.
Mas naquele dia ele respirou fundo para falar: "Quero um café e quero saber se você se casa comigo".
No dia seguinte, ela lhe deu a resposta. Isso foi há 15 anos. Helena já não serve mais cafés naquele bar. Desde que disse "sim", Helena se deu conta de que príncipes de contos de fada existem, mas por vezes aparecem disfarçados. O dela tinha surgido como um vaqueiro que gostava mais de leite do que de café, mas comprou várias xícaras só para ver se ela reparava nele.

Fonte da imagem: S.O.S - Dicas e truques

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Poesia em outra língua/07



Mi cuerpo está calentado
Por el cobertor devido:
Tus manos, tus brazos, tus besos
Y por todo tu cuerpo querido.

Fonte da imagem: Caderno de sentimentos

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Microconto/16



O preço do Tempo

Sem saber qual era o preço do Tempo, Loreta fez um pacto com ele. E em comunhão com a dona Morte, o Tempo a deixou por estas bandas terrenas por mais de um século.
Quando chegou aos cem anos, Loreta tinha descoberto qual era, afinal, o preço do Tempo. E de longe, os bisnetos podiam ouví-la praguejar contra ele:
- Me levou vários... Um por um, ano após ano. Às vezes, mais que um por ano... Por que fez isso comigo? Como pôde???
Ela falava de seus mortos, entes queridos com quem o Tempo não fez acordos. E vê-los partir doeu, doeu sempre, e aos cem anos, ela já implorava para ser levada também.
Até que um dia, Loreta também se foi. Se foi sem saber que apenas iniciaria outro tempo, mas dessa vez, sem acordo algum.

Fonte da imagem: Tethea

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Microconto/15



A loucura e a arte

Cecília morava no apartamento vizinho ao de um homem a quem chamavam de louco. O homem andava sempre desgrenhado, o olhar perdido. Às vezes, dava longas palestras sobre tudo e nada. As crianças lhe pediam dinheiro, que ele até dava, quando tinha, contanto que não o chamassem de louco.
Esse homem, o louco, mantinha um piano em casa. Em meio a jornais velhos e garrafas vazias, o piano era a sua única mobília.
Uma noite, Cecília ouviu música. O homem tocou majestosamente. Quando ele parou, pela primeira vez Cecilia pensou naquele homem, não como um louco, mas como um artista. Ou vai ver, ela pensou em ambos mesmo, pois dizem por aí que arte e loucura andam juntas, de mãos dadas.

(Baseado em fatos reais. Texto dedicado ao Seu Jefferson).

Fonte da imagem: Clave de Pi

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Poetrix/10



Borboleta

Começa larva, quem diria
Para depois voar por aí
Cheia de cores e poesia.

Fonte da imagem: Projamora

domingo, 5 de setembro de 2010

Poesia/85

Vento

Me leve por aí
Me faça voar pelos ares
Me guie e não me deixe cair
Mostre-me uns tantos lugares
Deixa-me dormir junto às estrelas
Enquanto deslizamos pelas nuvens
Tira do meu corpo a poeira
Prepara-me para visitar outros mundos
Me deixa ser tua companhia
Sussurra-me versos coloridos
Abrace-me com ousadia
E me leve sempre por aí, caro vento, caro amigo.

sábado, 4 de setembro de 2010

Poesia/84

Tudo que eu queria era ver o mundo.
Tudo que eu queria era jogar fora
O guarda chuva e o sobretudo!

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Microconto/14

Noivinho

Faltava pouco para o casamento e os olhos do noivinho eram duas luzinhas que brilhavam, piscavam e se exibiam para todos.
Mas a noivinha fugiu com outro e as luzinhas se apagaram.
Muitas tentaram, ao longo dos anos, reavivar as luzinhas, mas de nada adiantou. Quando fugiu, a noivinha levou o anel de noivado, uma trouxa de roupas, algum dinheiro e, sem saber, tinha levado junto toda a luz dos olhos do noivinho.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Poesia/83

Eu ando
Percorro o caminho
E dentro de mim, ele entra
Pelos pés, de mansinho.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Microconto/13

Sede de amor

Chamava-se Pepe e estava ansioso pelos prazeres do amor. Suspirava, gemia, padecia porque queria amar. E por isso, corria atrás de qualquer uma que pudesse lhe dar amor: brancas, pretas e mestiças, lindas ou feias. Mas nenhuma delas lhe dava crédito. Nenhuma sentia por ele amor, simpatia ou simplesmente compaixão.
Pepe estava cansado, andava nervoso e cada vez mais queixoso. Até que alguém encontrou uma solução...
Pepe foi castrado e já não uiva mais. Através de seus culhões, lhe adestraram aquela sede, a sede que ele tinha de amor.