quarta-feira, 26 de maio de 2010

Conto/09



Aquarela

Plínio e Teresa sempre se amaram. Cresceram juntos, dividindo risadas e brincadeiras. Era comum vê-los juntos, tanto porque eram primos, mas também porque gostavam de estar um com o outro sempre que podiam.
Um dia, tornaram-se jovens. E a família percebeu que aquele amor tinha crescido também e todos sabiam do interesse de Plínio em namorar Teresa e se casar com ela. Todos sabiam, mas ninguém aprovava, por conta do parentesco. “Dois primos, isso não vai dar certo”, “são quase como irmãos! Não pode haver casamento!”. Plínio e Teresa tinham consciência do que os familiares pensavam, mas isso não impediu os encontros entre eles, cada vez mais freqüentes. Ela passou a ser vigiada. Os pais dela achavam que bastava um descuido e eles fugiriam. Plínio tinha planos, dizia para Teresa:
- Vamos fugir, vamos para um lugar distante e ninguém nunca vai nos encontrar!
Mas ela não queria fugir, achava que era errado e não queria desapontar a família. Ele retrucava:
- Às vezes, é por não querer desapontar os outros que deixamos de ser felizes. Venha comigo.
Mas ela não foi. E assim, Plínio acabou deixando a cidade, foi estudar fora e se tornou pintor. Depois de dois anos, resolveu voltar e, qual não foi sua surpresa, ao descobrir que Teresa iria se casar. Perguntou aos pais porque não tinham lhe contado. Tentaram se justificar.
- Foi para evitar seu sofrimento, meu filho.
E pediram:
- Plínio, por favor, nos prometa que não vai fazer nada para atrapalhar a cerimônia. Deixe Teresa ser feliz!
Prometeu, a contragosto. Sabia que Teresa não amava aquele homem e que iria se casar apenas por conveniência, porque a família o aprovava. Quando se encontraram, ela evitou olhá-lo nos olhos. Plínio tinha prometido não fazer nada para atrapalhar, mas tudo que desejava era um momento com ela. Tentou de todas as formas ficar sozinho com a prima, entretanto os parentes estavam sempre por perto, espreitando, cercando-a.
Para ocupar a mente, Plínio trabalhava arduamente. Muitos de seus quadros eram retratos de Teresa. Um deles foi dado como presente aos pais dela e foi pendurado na sala. Até que João o viu.
João era o homem com quem Teresa estava de casamento marcado. Em uma de suas visitas, notou o quadro. A imagem de Teresa, tão linda naquela aquarela, chamou-lhe a atenção. Encheu-se de curiosidade e perguntou:
- Quem pintou este quadro?
Os pais dela se entreolharam e a própria Teresa sentiu quando as faces ficaram coradas. Sem jeito, eles explicaram:
- Foi nosso sobrinho Plínio. Ele é pintor.
João sentiu que havia algo errado, ficou claro quando olhou para Teresa. Mais tarde, na varanda, decidiu falar com o sogro:
- Sei que pode parecer bobo da minha parte, mas não acho conveniente que seu sobrinho tenha pintado esse quadro. Quer dizer, Teresa é minha noiva e eu não aprovo que um homem, ainda que seja primo dela, tenha feito esse retrato.
Claro que o problema não era o quadro. O problema era que ele havia notado algo no ar. Logo suspeitou que Teresa se interessava pelo primo de uma forma que ele não poderia conceber. E pensou que isso poderia acabar com o casamento antes que ele acontecesse. Naquela noite, antes de partir, exigiu que Teresa não dirigisse mais a palavra ao primo. A família concordou. O pai disse:
- Isso mesmo Teresa. Seu noivo está certo. Não fica bem que seu primo pinte quadros com sua imagem, você é uma moça comprometida e logo vai estar casada. Como não pensamos nisso antes? É melhor que você não fale com Plínio ou o veja até o casamento. E depois dele também, por que não?
João não teve dúvidas: pediu ao sogro que devolvesse o quadro ao autor. Melhor – ele mesmo faria isso. E aproveitaria para ter uma conversa com Plínio.
Na manhã seguinte, Plínio recebeu a visita de João. Até então, ele evitara aquele momento. Não gostaria de falar com o homem com quem Teresa iria passar o resto da vida. Ficou surpreso.
- Você? Ora, pode entrar.
Na sala, João ficou chocado. Era incrível a quantidade de quadros espalhados. Quase todos tinham o rosto de Teresa. Aquilo só o enfureceu ainda mais. Decidiu falar antes que as palavras sumissem.
- Tenho um assunto a tratar com você. Plínio, certo? Primo de Teresa?
- Sim, sou eu.
- Escute, vou ser breve e vou falar apenas uma vez. Teresa e eu vamos nos casar e você não poderá impedir. Eu sei que você gosta dela. Depois de ver esses quadros, tenho certeza. Eu vim aqui exigir que você se afaste dela. Não tente falar com ela, não tente vê-la. Os pais dela concordaram, ela também. E mais: se eu fosse você, sairia da cidade, iria para bem longe daqui. Eu conheço muita gente influente. Posso lhe causar problemas caso você se atreva a permanecer aqui.
Plínio ouviu calado. Não sabia como reagir, não sabia o que pensar. As palavras de João ecoavam, “os pais dela concordaram, ela também”. Então, Teresa não queria mais qualquer contato com ele? Antes que pudesse dizer qualquer coisa, João prosseguiu:
- Tem mais. Eu vim devolver isso. – entregou o quadro com um sorriso sádico e continuou – Eu quero que você destrua essas pinturas. Caso não me obedeça, eu mesmo darei um jeito de acabar com tudo, entendeu? Mandarei um de meus empregados aqui depois, para que veja se você fez o que eu mandei.
Ao dizer isso, João foi embora. Plínio ficou parado, a mente aturdida, os pensamentos confusos. Como aquele homem tinha ousado entrar na sua casa e dizer aquilo? Exigir que ele estragasse os quadros, que não tentasse ver ou falar com Teresa! Decidiu que precisava encontrar uma forma de conversar com ela, mesmo que fosse por cinco minutos. E tinha que ser naquele mesmo dia, não podia perder tempo.
- Aqui está, essa é a primeira parte do pagamento. O restante só depois que você trouxer minha prima ao meu encontro.
- Pode deixar, seu Plínio. Hoje vamos juntas à igreja no final da tarde.
A governanta da casa de Teresa, afinal, foi a sua solução. Bastou lhe oferecer algum dinheiro para que ela concordasse em dizer onde e quando ele poderia encontrar a prima sozinha – ou quase, pois ela a acompanharia.
Era véspera do casamento. Teresa foi à igreja sem saber quem a aguardava. Ao ver Plínio, teve vontade de correr, mas aquela era a hora de dizer adeus, então se aproximou do banco onde ele estava sentado.
- Não posso demorar. Nem devia continuar na igreja depois de ver você.
- Teresa, eu tinha que falar com você. Hoje cedo seu noivo foi até a minha casa, me devolveu a aquarela que dei de presente a você. Ele exigiu que eu destruísse os outros retratos que pintei, exigiu que eu não falasse mais com você... De todas as coisas que ele me disse, uma me doeu. Ele disse que você acatou em não me ver mais, que você concordou em sequer me dirigir a palavra. Então, eu tenho que saber: isso é verdade?
- Sim.
- Por quê? Quer dizer, eu não pretendia atrapalhar seu casamento! Prometi aos meus pais que não faria isso. Mas eu queria ao menos que você ainda falasse comigo.
- Plínio, de qualquer jeito você iria atrapalhar. Meu noivo é muito ciumento, isso poderia acabar mal, entende?
- Ele me mandou sair da cidade.
- Então, eu acho que é o que você deve fazer. – ela disse e saiu em seguida, acompanhada da governanta.
Naquela noite, ao voltar para casa, Plínio estava desolado. Chorou sozinho, enquanto olhava os quadros. Até que começou a borrá-los. Um por um, até a aquarela devolvida por João. Decidiu ceder, por amor a Teresa. Assim que tudo estivesse destruído, arrumaria as malas para sair da cidade.
Enquanto isso, Teresa jantava com os pais, João e a família dele. Até que viram, apavorados, quando ela começou a sumir diante dos olhos de todos. Primeiro as pernas, depois o tronco, os braços. A própria Teresa ainda conseguiu lançar um olhar desesperado antes que seus olhos também desaparecessem.
Não muito longe dali, Plínio começou a separar o que iria levar para sua nova vida. Quando tudo estava preparado, saiu da cidade. No caminho, tentava se conformar: “Não preciso de quadros se ela está em meu coração”.
O tempo passou para todos. Ninguém encontrou explicação para o desaparecimento de Teresa. A família fez tudo que podia. Chegaram a desconfiar que Plínio tivesse algo com aquilo, principalmente porque ele também havia sumido sem deixar rastros, mas a hipótese logo foi descartada: como ele poderia fazê-la sumir daquele jeito? Era impossível. João enviou empregados para que procurassem Plínio, tinha certeza de que, de algum modo, ele estava envolvido no sumiço da noiva. Foi em vão. Ninguém conseguiu encontrá-lo.
Longe dali, Plínio levava sua vida como podia. Trabalhava como professor de artes e pintava nas horas vagas. E foi num dia de ócio que ele pensou: “Estou longe, agora posso pintar o que quiser. E hoje, eu quero pintar Teresa.”. Os traços dela ainda eram nítidos em sua mente. Aos poucos, a pintura foi tomando forma. Com o quadro terminado, Plínio ficou pensativo, admirando-o, lembrando da mulher que ainda amava. Indagou a si mesmo: “Como ela estará?”. Até que um barulho interrompeu seus pensamentos. Alguém estava batendo à porta. Mas quem seria? Quase nunca recebia visitas. Ao abrir, quase não acreditou no que seus olhos viam: era ela, Teresa – vestida exatamente como na aquarela que ele acabara de pintar.

Fonte da imagem: Peregrina Cultural

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